Duas vezes por semana,
transformado em recoveiro, ia de comboio a Leça levar cestos de fruta e de
hortaliça que chegavam da quinta que o doutor tinha no Doiro. E pude ver o mar
pela primeira vez.
Não correspondeu em
nada à mina ideia. O grande lago que imaginara era uma ilusão de agua choca ao
lado daquela imensa realidade viva, pulsátil, indomável, que espumava de raiva
a bater contra as penedias. Enchia-me do som encantatório da sua voz,
refrescava os pés nas ondas, passeava descalço no areal, apanhava conchas e
pedaços de cortiça, e à noite, depois de cansar os olhos à janela do quarto do
sótão a ver a luz do farol fender a escuridão misteriosa do largo, adormecia a
pensar na felicidade de ser marinheiro num dos gigantescos navios que entravam
e saíam diariamente pela barra de Leixões…
(Miguel Torga, A
Criação do Mundo, O Primeiro Dia)
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Todos nós criamos o
mundo à nossa medida. O mundo longo dos longevos e curto dos que partem
prematuramente. O mundo simples dos simples e o complexo dos complicados.
Criamo-lo na consciência, dando a cada acidente, facto ou comportamento a
significação intelectual ou afectiva que a nossa mente ou a nossa sensibilidade
consentem. E o certo é que há tantos mundos como criaturas. Luminosos uns,
brumosos outros, e todos singulares.
(A Criação do Mundo,
Prefácio)
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La criatura acuática, barco, a cuya exaltación está en buena
parte dedicado este espacio, cumple cuarenta años en este 2019. No sabemos
exactamente en qué fecha, así que hemos decidido, por preferencia, que sea en
este mes de octubre, que tantas otras buenas efemérides concentra. ¡Larga vida!